Criador da ‘pílula do câncer’ rebate resultados negativos de estudos.

O professor aposentado de química da USP Gilberto Chierice, o “pai” da fosfoetanolamina sintética, que ficou conhecida como “pílula do câncer questionou, em um ofício da Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro, os resultados independentes sobre a ação da droga.

Os testes fazem parte da investigação patrocinada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e tiveram resultados divulgados nesta semana. Em resumo, eles apontam a segurança dos componentes da fórmula e uma ineficácia em agredir células tumorais in vitro.

Outra constatação foi o baixo teor de fosfoetanolamina na cápsula: menos de um terço do total. A resposta de Chierice a essa crítica é a de que a “fosfo” é ácida, “portanto, para ser ingerida, tem que ser neutralizada, o que é feito com sais de cálcio, magnésio e zinco”.

O aparecimento de outras substâncias -monoetanolamina protonada e fosfobisetanolamina-, segundo o químico, poderiam ser “produto de degradação durante o processo de análise”.

Curiosamente, uma dessas substâncias “piratas”, a monoetanolamina, e somente ela, mostrou razoável efeito antitumoral nos testes.

 

Além de Chierice, Durvanei Augusto Maria também participou da elaboração do documento da Defensoria Pública. Originalmente ele fazia parte do mesmo grupo de trabalho do MCTI que analisa a “pílula do câncer”. Segundo ele, um dos problemas dos estudos foi a ordem de grandeza testada, até 100 vezes menor que aquela já usada em outros testes.

A comparação com a droga antitumorais clássicas como a cisplatina revelou que a monoetanolamina é 3.000 vezes menos potente, em seu melhor desempenho.

O motivo da estridente diferença seria que a fosfoetanolamina, por ser uma molécula já presente no organismo, só “em excesso” poderia ter alguma ação farmacológica observável. Dessa forma, a “fosfo”, que é um lipídio, com sua mera presença na membrana celular, influenciaria o funcionamento de diversas moléculas importantes para o funcionamento da célula -inclusive a tumoral.

“Não há uma concentração em que ela se torne tóxica. Pode-se dar uma maior dose para conseguir suplantar o metabolismo que a célula já tem.” Um dos testes, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, afirma Maria, usou uma formulação de sua autoria que está patenteada no exterior –por isso, diz, solicitou reiteradamente sua exclusão do grupo de trabalho.

O ofício foi assinado pelo defensor público federal Daniel de Macedo Alves Pereira, encaminhando nesta terça (22) para a secretária executiva do MCTI Emília Maria Silva Ribeiro Curi, que ainda não avaliou o documento.

A discussão tomou fôlego na mesmo dia em que o Senado aprovou o projeto de lei que autoriza produção, importação e uso da fosfoetanolamina, mesmo sem aprovação da Anvisa.

Por fim, o ofício da Defensoria Pública da União pede que sejam esclarecidos o dispêndio da ordem de R$ 2 milhões para essa etapa da pesquisa patrocinada pelo MCTI, apresentando os “fatores que determinam gastos e lucro obtido por cada um dos laboratórios envolvidos” e dá um prazo de dez dias para que isso ocorra.