Especialista em tecnologia da informação (TI), com 18 anos de experiência, Daniela Andrade tem no currículo duas graduações e duas pós-graduações. Ela é palestrante no 17º Fórum Internacional Software Livre (FISL), que começou na quarta-feira (13) e termina hoje (16), em Porto Alegre. No entanto, Daniela não está no evento para discutir códigos de programação. A transexual de 37 anos de idade foi convidada pela organização do fórum para falar de inclusão de grupos oprimidos no mercado de TI.
“A filosofia do software livre já carrega consigo uma preocupação social importante, que é possibilitar que a sociedade tenha acesso igualitário à internet e à informação. Eu creio que isso significa, também, incluir as minorias discriminadas”, afirmou Daniela. Após observar que praticamente não havia pessoas trans entre os participantes do FISL, ela ressaltou que “o mercado de TI é majoritariamente de homens brancos, heterossexuais e cisgêneros [termo usado para se referir às pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento]”. “Por isso, é também um mercado machista, racista, homofóbico e transfóbico, porque é um reflexo da sociedade em que a gente vive”, completou.
A especialista em TI atribui a questões culturais o fato de a área das exatas ser predominantemente masculina. Ela destacou que as mulheres, tanto nas universidades quanto no mercado de trabalho, precisam estar constantemente provando que têm competência para atuar na profissão. Quando se trata de uma pessoa trans, a situação é ainda mais difícil.
“Se uma mulher transexual erra, já perguntam: ‘quem contratou esse traveco?’, como eu ouvi muitas vezes. Descobri que não tenho o direito de cometer um deslize porque, se eu errar, possivelmente a empresa não vai contratar outra mulher trans para trabalhar lá”, contou a palestrante.
Apesar do relato, Daniela afirma que está feliz na ThoughtWorks Brasil, onde trabalha há um ano como analista programadora. Segundo ela, a empresa faz parte de uma minoria que está preocupada com promoção e inclusão da diversidade e descobriu que empregar pessoas diferentes pode ser vantajoso.
“Se tivermos apenas homens brancos, heterossexuais e cisgêneros, possivelmente todos eles terão pensamentos muito similares entre si. Se você inclui uma mulher negra, um homem gay, uma mulher transexual, você vai ter visões de mundo muito diferentes trabalhando juntas para encontrar soluções criativas e que sejam voltadas para todos os públicos”, disse Daniela.
Tecnologia pela inclusão
Além de lutar para que o mercado de TI seja mais receptivo a transexuais, a programadora se esforça para que seu trabalho ajude a amenizar as dificuldades causadas pelo preconceito. “Nós moramos no país que mais mata transexuais no planeta. Por isso, estou aproveitando esse privilégio de trabalhar em uma empresa de software que abraça a causa para fazer a minha parte”, justificou.
Daniela programou, junto com o amigo Paulo Bevilacqua, dois serviços na internet: os sites TransEmpregos e Transerviços. O primeiro busca aproximar o público transexual de empresas que não veem a identidade de gênero como um empecilho para a contratação de profissionais. “Na última vez que fiquei desempregada, não consegui trabalho por um ano, em uma área que chove emprego. Quando descobriam que eu era trans, a vaga era cancelada, congelada ou deixava de existir”, relatou a palestrante, ao falar sobre as dificuldades de uma pessoa transexual conseguir emprego. “É por isso que 90% das mulheres trans estão na prostituição. Afinal, elas também almoçam e jantam, e essas necessidades não se resolvem sozinhas”, completou.
Já o site Transerviços oferece duas funcionalidades. A primeira é possibilitar a transexuais oferecer serviços profissionais pela internet. “Digamos que você precise de um bolo para o seu aniversário. Você vai entrar no site e encontrar uma pessoa trans, que vai fazer o seu bolo com tanto profissionalismo quanto qualquer outra pessoa”, explicou Daniela.
A segunda funcionalidade é o cadastramento de profissionais que ofereçam serviços ao público transexual. A especialista em TI afirma que o objetivo é evitar os constrangimentos gerados pelo preconceito: “Quantas pessoas ligam para o consultório de um dentista perguntando se ele atende cisgênero? Isso não existe. Mas travesti precisa ligar antes e dizer ‘olha, doutor, eu sou trans, pode me atender?’”.