Apesar de ter sido retirada de pauta no Senado Federal em 2015, a redução da maioridade penal voltará a ser discutida na Casa nesta quinta-feira (11), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Quatro propostas de diferentes autores serão analisadas na sessão e todas têm como alvo adolescentes com entre 16 e 18 anos incompletos autores de crimes como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e reincidência em crime de roubo.
Mas o retorno do tema ao Senado tem preocupado especialistas da área, que veem a redução da maioridade penal indo na contramão do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), texto classificado por eles como um dos mais modernos do mundo no que diz respeito à reeducação de menores infratores.
“A ideia do ECA não é punir o adolescente, mas reeducá-lo e reinseri-lo na sociedade”, avalia ao iG a socióloga e gerente-executiva da Fundação Abrinq, Denise Cesario. “Para isso, o artigo 112 prevê a aplicação de uma série de medidas socioeducativas e luta para que a internação seja sempre a última opção. A redução da maioridade penal contraria esses esforços. É um retrocesso.”
Presidente da Fundação Casa desde sua implementação no Estado de São Paulo, em 2005, Berenice Giannella concorda com a socióloga e destaca o fato de o sistema carcerário não ter estrutura para atender a quantidade de jovens a serem aptos à internação caso haja mudança legislativa. “O processo de medidas socioeducativas do Estado de São Paulo precisa de reforços, não de sobrecarga”, aponta ela.
Melhor com ele
Antes da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a maioridade penal era regulamentada por um conjunto de normas conhecido como Código de Menores. Segundo o documento, crianças abandonadas ou infratoras recebiam o mesmo destino: eram recolhidas e tuteladas pelo Estado em unidades da Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) – órgão que foi substituído pela Fundação Casa em 2006.
Um dos redatores do texto do ECA aprovado no Congresso Nacional em 1990, o procurador federal aposentado Edson Sêda lembra com pesar de como “os jovens privados de liberdade acabavam colocados em horrorosos ‘depósitos’ públicos, onde eram punidos severamente sob a desculpa de estarem sendo protegidos pelo Estado”.
Há 16 anos, no entanto, o Estatuto rompeu com esse conceito. E, desde então, a legislação passou a reconhecer todas as crianças e adolescentes – independentemente de raça, gênero e condição social – como “cidadãos de direitos e deveres muito claros, previstos em lei”.
“Ao contrário do que se prega, os adolescentes são, sim, responsabilizados pelos seus crimes. Eles são investigados pela Polícia Civil, denunciados pelo Ministério Público, processados pela Vara da Juventude, defendidos por um advogado particular ou por um defensor público, sentenciados pelo judiciário e cumprem uma punição oficial – seja ela uma advertência, a semi-liberdade ou a internação provisória”, ressalta Sêda.
Assim, mesmo que o próprio ECA seja alvo de críticas de especialistas devido à sua aplicação nos últimos 16 anos – como por não garantir o respeito a critérios de idade, porte físico e gravidade da infração devido às unidades superlotadas para menores infratores em todo o País –, sua existência garantiu direitos importantes para muitos jovens terem ao menos alguma chance de futuro, até três décadas atrás ignorado pelos governos do País.
“Infelizmente, ainda temos uma série de princípios do texto que não se aplicam e ainda falta competência técnica e gente especializada no assunto. Só que isso não significa mudar a lei, mas, sim, a realidade de sua aplicação no Brasil”, resume o ex-procurador.