Recentemente, um juiz da 3ª Vara Federal do Distrito Federal autorizou a Active Pharmaceuticals a importar e comercializar, em farmácias de manipulação, a melatonina — isso apesar de ela não ter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na prática, a decisão facilita o acesso a essa substância para fins terapêuticos, uma vez que, até então, o paciente precisava importá-lo, mesmo se tivesse receita médica.
“Antes de tudo, vale destacar que estamos falando de um hormônio naturalmente produzido pelo organismo”, ressalta José Cipolla-Neto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas nos efeitos dessa molécula. Entre outras tantas funções, a melatonina incita a sensação de sonolência e é fabricada em larga escala quando estamos em um ambiente escuro (por isso que temos mais vontade de dormir à noite e, por outro lado, maior dificuldade de adormecer ao ficar mexendo em dispositivos que emitem luz).
“Sua utilização está referendada internacionalmente para distúrbios do sono e dos ritmos biológicos”, garante Cipolla-Neto. “Ela é prescrita corriqueiramente para tais condições. E eu diria que isso ocorre até no Brasil”, completa. Certos tipos de insônia, por exemplo, poderiam ser amenizados com uma reposição adequada desse hormônio. Fora isso, alguns pacientes cegos se beneficiam das aplicações de melatonina justamente por não conseguirem se ajustar ao ritmo do dia. Vítimas de distúrbios neurológicos que abalam a qualidade das horas dormidas, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, são outros potenciais beneficiários de suas doses. Até aquela sensação de jet lag após uma longa viagem aérea e a mudança provocada pelo horário de verão chegam a estimular os profissionais a prescrever a substância.
Agora, a melatonina costuma ser muito empregada para objetivos estéticos. “Há evidências experimentais indicando que seu uso poderia melhorar a pele do idoso”, afirma o especialista da USP. A pele é inclusive um dos tecidos humanos com maior concentração do hormônio. Lá, ele confere resistência contra danos oxidativos, contribui para a hidratação e ajuda a manter a integridade como um todo. Hoje em dia, há pomadas à base de melatonina que são utilizadas diretamente na cútis. Mas há uma ressalva fundamental: a melatonina entra na circulação com extrema facilidade. Logo, como mexe com o ciclo do sono, o horário de aplicação como creme precisa ser considerado para não bagunçar completamente a rotina de uma pessoa. “Ela só poderia ser aplicada à noite. De dia, seu uso é totalmente contraindicado”, arremata Cipolla-Neto. Usar sem o aval e as orientações de um profissional? Nem pensar.
A Anvisa liberou ou não?
Em um comunicado, a entidade brasileira responsável por autorizar a comercialização de remédios explicou em que pé está o registro oficial da melatonina: “Há um pedido de registro de um produto com o princípio ativo melatonina que foi protocolado em 5 de outubro de 2015 e está sob a análise”.
A decisão da Justiça, portanto, não regulariza a venda por aqui — ela basicamente autoriza uma empresa a importar o hormônio e o repassar a farmácias de manipulação, que então podem usá-lo como insumo. Isso, claro, desde que o paciente tenha uma receita em mãos. Veja abaixo o comunicado completo da Anvisa:
Melatonina
Há um pedido de registro de um produto com o princípio ativo melatonina que foi protocolado em 05 de outubro de 2015 e está sob a análise da Agência.
A análise visa estabelecer a segurança e a eficácia deste princípio ativo. Após sua conclusão, quando o registro for concedido, o produto poderá ser comercializado no país.
No entanto, a legislação brasileira garante que pacientes que recebam a indicação de uso deste produto por um profissional médico podem importar para uso pessoal, seja via bagagem de mão ou mesmo pela internet.
Ou seja, a compra para consumo individual é permitido, mas a comercialização no Brasil só pode ocorrer depois de obtido o registro.
Importante destacar que o comércio da melatonina pela internet ou em estabelecimentos no Brasil é proibido porque o produto não tem registro. E não porque a substância seja proibida.
Frente a esta situação, a empresa Active Pharmaceutica Ltda. – ME ajuizou a ação nº 0003510-16.2015.401.3400 em face da Anvisa perante a 3ª Vara Federal do Distrito Federal, postulando a autorização para importação e comercialização do insumo farmacêutico melatonina para manipulação de medicamentos.
O juiz deferiu parcialmente a tutela antecipada em favor da empresa, determinando que a Agência autorize a empresa a importar e a comercializar a melatonina para sua posterior utilização em farmácias de manipulação, nos seguintes termos:
“Finalizando, apenas para enfatizar, observo que não se trata de liberação do medicamento melatonina industrializado para sua comercialização, pois este precisaria de registro na Anvisa, embora seja permitida a importação para uso próprio com receituário médico.
Diante do exposto, DEFIRO PARCIALMENTE A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, nos termos do art. 300 do NCPC, para determinar que a Ré autorize a parte autora, ACTIVE PHARMACEUTICA LTDA ME, a realizar a importação e comercialização do insumo farmacêutico melatonina, desde que cumpridos os requisitos legais referentes a importação de substâncias destinadas à manipulação de medicamentos”.