Por que tanta burocracia, Brasil?

O Brasil é um país muito burocrático. As mais diversas atividades —desde tirar uma carteira de motorista até reconhecer um título de doutorado obtido no exterior— envolvem uma quantidade nada trivial de tempo e recursos. A proliferação de cartórios é um sintoma da prevalência da burocracia.

Isso se estende ao mundo dos negócios. O Banco Mundial anualmente realiza a pesquisa Doing Business, que simula quanto tempo e dinheiro são necessários, em diferentes países, para abrir e fechar uma empresa, obter licenças de operação e de construção, pagar impostos etc. Com base nessas informações, ranqueiam-se os países de acordo com a facilidade em realizar negócio. A simulação —é importante destacar— considera apenas o que é feito de maneira legal, sem pagar ninguém por baixo do pano para acelerar processos.

Como estamos nesse ranking? Mal. Na versão mais recente, o Brasil aparece na posição 123 de um total de 190 países. Ou seja, não estamos apenas distantes dos países mais ricos, de procedimentos muito mais simples e transparentes. Patinamos também na comparação com aqueles de renda média: o Brasil ocupa uma posição intermediária no que diz respeito à renda per capita, mas está bem abaixo da metade quando avaliamos o indicador de facilidade de realizar negócios.

Particularmente assustador é o desempenho brasileiro em um quesito específico avaliado na pesquisa: pagamento de impostos. O país ocupa a posição 181. E aqui não estamos falando dos impostos que incidem sobre a produção e o consumo —bem altos no Brasil. A avaliação leva em conta somente os procedimentos burocráticos associados ao pagamento de impostos pelas empresas.

O excesso de burocracia é prejudicial à produtividade do país. Dificulta a abertura, a formalização e a expansão de empresas, bem como a própria geração de empregos.

De maneira simplificada, a burocracia pode ser comparada a um imposto sobre a atividade produtiva – e um imposto muito ruim. Para explicar essa comparação, começaremos discutindo quais os efeitos econômicos de um imposto sobre a produção e o consumo.

QUAIS OS EFEITOS ECONÔMICOS DOS IMPOSTOS?

Bem ou mal, o governo realiza uma série de atividades. Fornece saúde, educação e segurança públicas, paga aposentadorias e salários dos servidores públicos, sustenta programas de transferência de renda, por aí vai. Em todo lugar do mundo é assim. Mas essas coisas não caem do céu. O governo precisa dos recursos vindos dos impostos cobrados da população.

Sem impostos, nada disso seria possível. Só que impostos envolvem custos. E esses custos não se limitam ao dinheiro que sai do nosso bolso e vai para o cofre do governo. Impostos reduzem a atividade econômica na medida em que desestimulam o consumo e a produção.

Pense, por exemplo, no mercado de livros. Digamos que o governo decida colocar um imposto sobre cada unidade vendida. Qual o efeito? A lucratividade dos produtores de livros seria reduzida, já que eles reagiriam produzindo menos. Parte desse imposto seria repassada aos consumidores via preços mais elevados. E eles responderiam a esse movimento comprando menos livros. No fim das contas, o imposto reduziria a quantidade de livros produzidos e comprados no mercado. Significaria um custo para a sociedade.

Assim, impostos têm benefícios, porque permitem que o governo produza bens e serviços que são valorizados pela sociedade. Por outro lado, eles trazem custos ao reduzir a produção e o consumo de outros bens igualmente importantes.

Para determinados bens e serviços, é socialmente desejável diminuir o volume produzido. É o caso de cigarros e atividades que envolvam poluição e agressão ao meio ambiente, por exemplo. Taxar essas atividades é o melhor dos mundos: ao mesmo tempo em que a produção é desestimulada, são arrecadados recursos para financiar o governo. Mas, em geral, não é possível sustentar toda a despesa do governo apenas taxando essas atividades.

Não há escapatória: para pagar por tudo o que o governo gasta, é necessário cobrar impostos da população; em contrapartida, há custos para a sociedade na forma de menor oferta e maiores preços para bens e serviços gerados pelo setor privado.

POR QUE BUROCRACIA É UM IMPOSTO MUITO RUIM?
Podemos comparar os efeitos da burocracia aos dos impostos. Ao vender seu produto, o empreendedor deve cumprir uma série de procedimentos burocráticos. Isso eleva os custos e desestimula a produção. Esses custos, em parte, são repassados ao preço final —o que enfraquece o consumo. Novamente, temos um custo para a sociedade, sob a forma de redução da quantidade transacionada no mercado.

Mas, diferentemente do imposto tradicional, a burocracia não financia as atividades do governo. Com ela, não são arrecadados os recursos que poderiam ser usados na produção de bens e serviços públicos.
E o que acontece com esses recursos que deixam de ir para o governo? Em algumas situações, isso basicamente se traduz no tempo desperdiçado pelo empreendedor ou seus funcionários para cumprir procedimentos burocráticos. Esse tempo poderia ser usado para aumentar a produtividade, inovar, melhorar processos e produtos.

O empreendedor pode ainda pagar alguém para facilitar o cumprimento desses procedimentos. Assim, o dinheiro (que no caso de um imposto tradicional iria para o governo) acaba indo para o bolso de um despachante ou, no pior dos casos, de um funcionário público corrupto que faz vista grossa para algum procedimento burocrático não realizado adequadamente.

Em outras palavras, a burocracia tem todos os custos sociais de um imposto, mas não gera o benefício da arrecadação e do possível financiamento da produção de bens e serviços públicos.

QUAIS OS OUTROS CUSTOS DA BUROCRACIA?

O excesso de burocracia nos negócios pode trazer outros efeitos deletérios sobre a produtividade de país. Como o aparato burocrático impõe custos substanciais, potenciais empreendedores podem optar por não entrar no mercado. Isso garante menos concorrência para firmas já estabelecidas. Resultado: maior poder de mercado, preços mais altos e menor diversidade de produtos para os consumidores.

Alguns empreendedores podem ainda optar pela informalidade para evitar impostos e burocracia. Empresas informais, todavia, têm menos acesso a crédito e encontram maiores dificuldades para se desenvolver. Podem preferir permanecer pequenas para serem menos visíveis à fiscalização. Por isso, várias dessas empresas não se aproveitam das chamadas economias de escala —ou seja, ganhos de produtividade oriundos do aumento da produção ao longo do tempo.

A burocracia contribui dessa forma para aumentar a informalidade. Prejudica não só a produtividade do país, mas também a arrecadação do governo, já que firmas informais deixam de pagar impostos.

As firmas já estabelecidas, por outro lado, não são necessariamente as mais produtivas. Podem ter quebrado a barreira da burocracia, simplesmente porque o empresário conhece alguém dentro do setor público para dar aquela “mãozinha”. Nessas condições, as conexões pessoais podem ser mais importantes que a competência.

Esse cenário intrincado e pouco transparente estimula a corrupção. Com o objetivo de vender facilidades, servidores públicos desonestos acabam colocando ainda mais dificuldades para realizar negócios.

A simplificação de procedimentos certamente traria uma melhora no ambiente de negócios do Brasil, com potenciais ganhos de produtividade de longo prazo. A equipe econômica do governo reconheceu isso há algumas semanas, quando incluiu a desburocratização em seu pacote de reformas microeconômicas. No entanto, nenhuma medida específica foi anunciada. Tampouco existe um cronograma de execução. Vejamos o que ocorre ao longo de 2017.