Apesar de o Brasil enfrentar uma grave recessão, os senadores dobraram os gastos de seus gabinetes em Brasília com combustível, viagens, alimentação e Correios entre 2014 e 2016.
Levantamento feito pela Casa a pedido da Folha revela um salto de R$ 2,4 milhões, em 2014 (em valores atuais), para R$ 4,8 milhões, em 2016.
Com a rubrica “gastos extras”, o Senado custeia o consumo em Brasília de combustível, material de limpeza, papelaria, alimentação, Correios e as viagens oficiais, autorizadas pela Casa.
Há limites para cada serviço, nem sempre cumpridos.
Os R$ 2,4 milhões gastos a mais seriam suficientes para construir quatro escolas com boas instalações ou remunerar por um ano 60 professores com o piso da categoria.
A rubrica dos gastos extras não está incluída na cota parlamentar a que cada senador tem direito, em geral usada em seu Estado de origem.
Essa cota se destina a arcar com todo tipo de atividade do senador em seu Estado, como viagens de ida e volta de Brasília à base eleitoral, aluguel de escritório, alimentação e segurança privada.
No caso dessa verba para os Estados, os gabinetes, juntos, gastaram R$ 24 milhões, queda de 11% sobre 2014. A verba varia de R$ 21 mil no Distrito Federal a R$ 44 mil no Amazonas.
EXTREMOS
A forma de conduzir as contas de gabinete varia enormemente no Senado.
Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, é um dos mais dispendiosos. Seu gabinete custou aos cofres públicos, em 2016, R$ 560 mil, mais o salário de R$ 34 mil e auxílios como o de moradia de R$ 5.500 mensais.
Em cota parlamentar, Nogueira gastou R$ 360 mil –em um ano, um senador do Piauí tem direito a R$ 466 mil.
Foram R$ 38 mil em passagens, mais R$ 250 mil com hospedagem, alimentação e locomoção. Ele não gastou nada com divulgação da atividade parlamentar.
Em julho, por exemplo, Nogueira gastou R$ 5.000 com alimentação. No dia 29, uma sexta, ele pagou R$ 966 em uma refeição na tradicional churrascaria Rodeio, em São Paulo. No domingo seguinte, dia 31, desembolsou R$ 978 no restaurante Bendito Fogão, na cidade de Picos (PI).
Em setembro, o senador usou R$ 54 mil da cota. Despesas com combustível de aviação somaram R$ 38 mil. A verba de transporte aérea prevista para senadores do Piauí é de quase R$ 24 mil por mês.
Além da cota parlamentar, Nogueira desembolsou R$ 200 mil dos gastos extras em 2016, dos quais R$ 133 mil em viagens oficiais.
Em outro extremo, o senador Reguffe (sem partido-DF) custou R$ 514 ao Senado em 2016. Ele não fez uso da cota e não cobrou da Casa custos com combustível nem viagens oficiais. Os desembolsos feitos se resumem a água, material de limpeza e de escritório.
SENSO DE AUSTERIDADE
Segundo Cristovam Buarque (PPS-DF), os colegas de plenário não têm demonstrado senso de austeridade, a despeito da crise. “Não sinto um clima de redução de gastos em nada no Brasil. Não é só coisa de parlamentar. Existe a ideia de que o que é do Estado não é público”, disse.
Buarque defendeu o fim de prerrogativas como as despesas com alimentação. E lamentou que o corte de gasto não esteja no debate sobre a sucessão de Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência da Casa. “Não tem bandeira nem de corte de gastos nem de nada”, disse em referência à provável candidatura de Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Morador de Brasília, Buarque gastou em 2016 quase R$ 110 mil com a cota em serviços de apoio parlamentar e R$ 18 mil em outros gastos, a maioria Correios.
Eunício não usou a cota. Em gastos extras, foram R$ 24 mil –R$ 17 mil com Correios.
OUTRO LADO
A assessoria de imprensa do Senado afirmou que vem tomando medidas para diminuir seus gastos em momento de recessão econômica.
Entre outras medidas, a Casa mencionou a redução em 20% das cotas postais de cada gabinete em novembro de 2016 e a extinção do trâmite de documentos por meio físico, que passou a ser apenas digital.
“Ao longo dos últimos quatro anos, o Senado Federal tem empreendido uma ampla reforma, com impacto orçamentário importante nos próximos anos, para economizar recursos e racionalizar a estrutura da Casa”, disse a assessoria, em nota.
O Senado citou como objetivo de sua administração a melhoria dos processos administrativos, eliminação de redundâncias, descentralização e transparência.
Procurada pela Folha, a assessoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI) não havia se manifestado até o fechamento desta edição.
Embora se diga comprometido com acesso público dos dados, o Senado cumpre parcialmente as previsões da Lei de Acesso à Informação.
A reportagem se deparou com dificuldades de acesso a dados relativos à rubrica “gastos extras”, que não estão compilados em planilhas para manuseio público no site do Senado.
Além disso, verbas empregadas para Correios estão sem padronização.