Uma escola de samba de São Paulo, a Acadêmicos do Tatuapé, veio buscar no Maranhão a inspiração para produzir o espetáculo que levantou o título na avenida. Alguns dirão: certamente isso se deu pelo fato do carnavalesco da escola, Wagner Santos, ser maranhense. Não, decididamente, não! A escolha de um enredo passa por várias cabeças e depende de muitos fatores. Fosse o carnavalesco de outro estado, teria emplacado sua terra?
Faço esta reflexão com um propósito. Para chamar a atenção para a extraordinária riqueza que está diante dos nossos olhos, e muitas vezes é preciso ser vista de fora pra que nós mesmos enxerguemos. A Tatuapé escolheu o Maranhão porque percebeu que aqui havia todos os elementos que compõem uma narrativa para empolgar a celebração popular. Pra começar, somos a síntese da formação cultural do país, nos três grandes eixos: o africano, o europeu e o indígena. Trazemos em nossa imaginação, costumes, memórias e sonhos, o eco do encontro de crenças e visões de mundo tão variadas que se aclimataram em nosso território. Isso não se deu pacificamente, mas a custa de sangue e dor.
Sobre esse terreno construímos um imaginário de “encantarias”, como diz o enredo da escola, feito de mitos, de arquétipos, de lendas, de fantasias que adubaram fértil terreno para o nascimento de gerações de poetas, de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar. Um lugar tocado de poesia e magia que penetra na imaginação desde que “o sonho aportou na ilha da magia”.
Está tudo lá, na letra do samba, numa síntese magnífica. Fala das batalhas pela libertação dos escravos, das feitiçarias, da poesia, da alegria, das matracas, dos tambores e de São José, nosso santo padroeiro. Fala ainda das cantorias, das quebradeiras de coco e não esqueceu do reggae, mais um exemplo de simbiose cultural.
Mas nada disso seria suficiente se não fosse o fato de constituir também uma vibrante e arrebatadora tradição visual que está presente nas miçangas dos bois, nos traçados geométricos das pinturas indígenas, nos vestuários das danças populares, nas fitas coloridas, nas cavalgadas, nas romarias, nos azulejos, nos cocares. Que mais quer uma escola de samba pra empolgar a avenida? Poesia, magia, beleza, mistério, essa a riqueza que o Maranhão forneceu para que a Tatuapé, com enorme competência, conquistasse o bicampeonato.
Nem todo o dinheiro de mídia do Governo conseguiria divulgar o Maranhão com tanta leveza e generosidade. O Maranhão tem muitas outras riquezas ocultas dos maranhenses. Chegará o dia em que serão desveladas para seu povo.