Cientistas brasileiros encontram fóssil de 280 milhões de anos

Pesquisa de paleobotânicos brasileiros descreve ancestral evolutivo de plantas ornamentais atuais é destaque internacional.

Muito presentes nos jardins brasileiros e conhecidas como sagu-de-jardim (Cycas revoluta), as cicas são plantas que a maior parte das pessoas sabe identificar pois já viu alguma. No entanto, o que poucos conhecem é a história evolutiva desse grupo de plantas, que ganhou mais um antepassado recentemente. A partir de um fóssil localizado em Rio Claro, em São Paulo, no que antes era o supercontinente Gondwana, a descoberta científica da Iratinia australis foi publicada recentemente na revista Review of Paleobotany and Palynology.   

O fóssil encontrado pelos pesquisadores é de uma planta cicadácea (ordem Cycadales), linhagem que sobreviveu a três das extinções em massa que assolaram a biodiversidade global ao longo dos últimos 280 milhões de anos, incluindo a dos dinossauros. Apesar de terem resistido, por exemplo, à extinção do Permiano-Triássico, há 250 milhões de anos – a maior já registrada -, e à do Cretáceo-Paleógeno, há 65 milhões de anos, as cicadales nunca chegaram a dominar o reino vegetal, uma vez que não são capazes de produzir flores e frutos (como as angiospermas). 

Elas se espalham, na verdade, por meio de sementes, pois são gimnospermas. Mesmo assim, descendentes da Iratinia australis continuaram evoluindo, servindo de provável alimento a dinossauros herbívoros durante milhões de anos e, atualmente, de ornamento para os jardins. 

O fóssil de cicadácea identificado é um pequeno pedaço de madeira, com cerca de 12 cm de comprimento e 2,5 cm de diâmetro. Quando foi descoberto, os paleobotânicos descreveram-no como um licopódio que, apesar de ser próximo às samambaias, possui características externas semelhantes às cicas e que também era comum em Gondwana naquele intervalo de tempo. O estudante de doutorado Rafael Spiekermann, que atualmente está no Museu de História Natural Senckenberg, na Alemanha, desenvolvendo sua tese sobre licopódios, decidiu reavaliar o material para sua pesquisa. Suas análises apontaram que o fóssil se tratava, na verdade, não de um licopódio, mas de uma cicadácea – mudando o que se conhece sobre a história evolutiva dessa planta. 

Para o professor André Jasper, pesquisador da Universidade do Vale do Taquari – Univates, e um dos autores do estudo, o achado é um exemplo de que a ciência não acontece de forma imediata e, sim, demanda tempo e recursos. Jasper orientou Spiekermann quando ao longo de toda a sua graduação no Brasil, quando o pesquisador era estudante de Ciências Biológicas na Univates. 

“O fóssil possui uma anatomia totalmente diferente”, revelou Spiekermann ao The New York Times recentemente, onde a novidade foi notícia. “Se você cortar uma cicadácea hoje, verá que os padrões anatômicos são semelhantes”, explica.  

Jasper ainda revela que “o material encontrado é o mais antigo exemplar de madeira fossilizada que preserva as características anatômicas das cicadáceas”. Além disso, a identificação do fóssil sugere que esse tipo de vegetal estava bem estabelecido enquanto espécie há 280 milhões de anos. “Na área da paleobiologia, esse fóssil é muito importante, pois ele permite indicar que todo o grupo de cicas surgiu antes do que se imaginava”, destaca. O pesquisador estuda paleobotânica há 30 anos. 

Um dos maiores desafios do campo de estudo dos pesquisadores como o professor André Jasper e o doutorando Rafael Spiekermann é preencher todas as lacunas da paleontologia evolutiva no que concerne às plantas. Existe um interesse amplo na paleozoologia, dedicada às formas de vida animais, mas a paleobotânica ainda tem muito espaço para se desenvolver.  

“Como esse grupo, as cicas, é um muito antigo, acompanhamos essas plantas para ver como elas se comportam em termos paleoambientais a partir do registro fóssil”, conta Jasper. O estudo dos pesquisadores tem implicações filogenéticas, ou seja, vai impactar os cladogramas – diagramas que demonstram as relações entre organismos – pois situa as cicas milhões de anos antes do que os estudos prévios fizeram.

 “Esse fóssil tem a capacidade de alterar a compreensão das relações evolutivas entre os organismos vegetais”. A partir da descoberta, surgem novas perguntas e novas possibilidades de interpretação em relação à história evolutiva dessas plantas. “Como aconteceu a sua migração?”, “Elas surgiram em Gondwana e se espalharam para outros lugares?”, são algumas delas.

O estudo está agora à disposição da comunidade científica. A caracterização taxonômica do espécime é extremamente importante para outros pesquisadores que estejam interessados em estudar as Cicadales, por permitir a comparação da descrição quando outros estudiosos estiverem analisando novos fósseis. “Se alguém realizar uma diagnose em outro fóssil e encontrar as mesmas características que encontramos na Iratinia, vai ser a mesma espécie ou gênero”. 

Iratinia australis 

O fóssil foi encontrado na formação de Irati, que compreende os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, e é daí a origem de seu nome científico, Iratinia australis. O local apresenta afloramentos fósseis de vegetais do período Permiano, que foi de 252,1 milhões a 298,9 milhões de anos. As análises situam o fóssil da Iratinia no Kungariano (de 279,3 milhões a 272,3 milhões de anos), uma das idades nas quais o Permiano se subdivide. Para termos de comparação, os primeiros fósseis de dinossauros têm a idade de 233 milhões de anos. 

O estudo 

Foi realizado pela Universidade do Vale do Taquari – Univates, em parceria com o Museu de História Natural Senckenberg, em Frankfurt, na Alemanha, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O material foi coletado na década de 1980, depositado na coleção do Museu da Terra, no Rio de Janeiro, que pertence à Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia, e órgão executor do Serviço Geológico do Brasil (SGB). A partir daí ele acabou sendo enviado à Ufgrs. 

Os autores

O estudante de doutorado Rafael Spiekermann é o autor principal do estudo. A pesquisa tem contribuição do professor doutor André Jasper, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Univates; das doutoras Anelise Marta Siegloch e Margot Guerra-Sommer, do Instituto de Geociências da Ufrgs; e do doutor Dieter Uhl, vinculado ao Museu de História Natural Senckenberg e professor do PPGAD. 

Outras espécies descritas

O PPGAD da Univates tem desenvolvido diversos trabalhos na área da paleobotânica, com a coordenação do professor Jasper. A pesquisa nasce no Laboratório de Paleobotânica e Evolução de Biomas, vinculado ao Museu de Ciências (MCN). O amplo trabalho na área da paleobotânica culmina com uma produção científica crescente. A Iratinia australis se soma a outras três espécies já descritas pela equipe do Laboratório: Coricladus quiteriensis, , Lycopodites riograndensis e Rhodeopteridium iporangae, todas encontradas na Formação de Rio Bonito. 

Fomento 

Além da Universidade do Vale do Taquari – Univates, a pesquisa tem fomento de órgãos brasileiros e alemães por meio da Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) e da Alexander von Humboldt Foundation (AvH).