Brasil participa de esforço internacional para compreender o comportamento suicida

Universidade gaúcha é a única instituição nacional a integrar o estudo, que já está em andamento no Vale do Taquari, RS.

A Universidade do Vale do Taquari – Univates é a responsável por articular, no Brasil, um estudo coordenado pelo Instituto Karolinska, da Suécia, e pelo Centro Sueco para Pesquisa de Suicídio e Prevenção de Doenças Mentais (NASP, na sigla em inglês). A pesquisa é conduzida pela professora Danuta Wasserman, autoridade mundial em pesquisas sobre suicídio, presidente eleita da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) e coordenadora do NASP. O Instituto Karolinska está situado em Estocolmo e possui uma das principais Faculdades de Medicina da Europa, representando a maior parcela de todas as pesquisas médicas acadêmicas no país. Foi criado em 1810 e, desde 1901, a Assembleia do Nobel no Karolinska Institutet seleciona os ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina.

O estudo, intitulado Programa COVID-19 BIC, busca compreender, a partir de uma intervenção psicológica do tipo motivacional, realizada nas primeiras 24 horas após uma tentativa de suicídio, se os efeitos dessa intervenção são duradouros e se são melhores do que uma abordagem realizada de forma usual. Além disso, também tem como objetivo educar os pacientes sobre o risco de suicídio após a alta hospitalar ou do pronto-socorro, fornecer suporte e ajudá-los a permanecer engajados no tratamento dos sintomas psicológicos relacionados ao comportamento suicida durante e após a pandemia de covid-19. A pesquisa internacional tem financiamento do Banco Sueco. A parte do estudo realizada pela Univates também busca entender se aspectos genéticos desempenham papel na predisposição das pessoas ao comportamento suicida.

No Brasil, o estudo é realizado em Lajeado, por meio da participação da Univates, a partir do Centro de Pesquisa Translacional em Transtornos do Humor e Suicídio (CEPETTHS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas (PPGCM) e coordenado pelo psiquiatra Flávio Shansis. Shansis acredita que essa é a primeira de muitas parcerias que pode ser estabelecida entre a Univates e instituições de renome internacional na área do estudo do comportamento suicida, pela relevância do tema para os Vales do Taquari e do Rio Pardo, que concentram altas taxas de suicídio entre a população. De acordo com os dados oficiais mais recentes, de 2017, das cinco cidades com maior prevalência de suicídio no Brasil, três estão no Rio Grande do Sul, duas no Vale do Taquari – as que ocupam a primeira e a terceira posições.

“A Univates está abraçando este tema, que tem, aqui para nós, uma relevância comunitária”, afirma Shansis, coordenador brasileiro do estudo. “É uma abordagem científica para questões que, até o momento, são conjecturas. Este trabalho é fundamental para que possamos entender o que se passa com as pessoas que tentam suicídio. A longo prazo, espera-se que possamos contribuir para a diminuição dos índices de suicído nos Vales do Taquari e do Rio Pardo, talvez com a implementação de políticas públicas de prevenção”. Para o pesquisador, os dados da pequisa podem também, futuramente, contribuir para ampliar a formação de recursos humanos na área do tratamento do suicídio. 

Antecedentes 

O COVID-19 BIC é adaptado de um outro estudo chamado SUPRE-MISS, uma pesquisa realizada pelo Instituto Karolinska e pela Organização Mundial da Saúde no início dos anos 2000 com o objetivo de reduzir a mortalidade associada ao suicídio. O SUPRE-MISS foi realizado em cinco países: Brasil (na cidade de Campinas, por meio da Unicamp), Índia, Sri Lanka, Irã e China. A eficácia do SUPRE-MISS foi avaliada e demonstrou ter um efeito significativo na redução das taxas de suicídio no grupo de tratamento que recebeu o BIC, além do tratamento usual, em comparação com o grupo controle que recebeu apenas o tratamento usual. 

Conforme dados da OMS, atualizados em 2019, a cada ano, estima-se que cerca de 700 mil pessoas cometam suicídio, cerca de 1 a cada 40 segundos. O número de tentativas, no entanto, é muito superior ao do suicídio propriamente dito. No Brasil, os Vales do Taquari e do Rio Pardo são as regiões que concentram os mais altos índices de suicídio, quase três vezes a média nacional.

O Programa COVID-19 BIC acontece em quatro continentes diferentes e deverá ocorrer em diversos países diferentes. Na África: África do Sul. Nas Américas: Estados Unidos, Uruguai, México e Brasil. Na Europa: Romênia, Espanha, Rússia e Itália. Na Ásia: Índia, Cazaquistão, Vietnã e China. 

Como é a pesquisa realizada na região?

O estudo começou sua coleta em março de 2021 e vai até 2024. A pesquisa inclui dois componentes principais: uma breve intervenção motivacional realizada por profissionais da área da psiquiatria ainda durante o período de internação e, após, por meio de nove contatos regulares realizados de forma remota, será realizado um acompanhamento de longo prazo por voluntários treinados, ao longo de 18 meses após a alta dos pacientes que tentaram suicídio.  

Para isso, já foram selecionados e contratados, por edital da Univates, com financiamento do Banco de Desenvolvimento Europeu, pesquisadores que coletam dados nas áreas de Urgência e Emergência do Hospital Bruno Born (HBB) e da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24h de Lajeado. O estudo envolverá o acompanhamento de 250 pessoas com tentativa de suicídio e outras 500 pessoas no grupo controle – ou seja, que não realizaram tentativa de suicídio. Este grupo controle é chamado de populacional e as pessoas serão sorteadas para serem entrevistadas a partir do seu cartão SUS. Esta parte do estudo conta com o apoio da Prefeitura de Lajeado, por meio da Secretaria Municipal de Saúde. A partir dessas características, será possível, nas etapas seguintes da pesquisa, estabelecer comparações entre componentes comportamentais e genéticos dessas duas populações localmente, na região, e também, internacionalmente, com populações de outras partes do mundo onde a pesquisa está sendo realizada. O estudo já foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Coep) da Univates. 

“O estudo com aqueles que tentaram suicídio é um ensaio clínico randomizado, ou seja, quando internados, os pacientes recebem um de dois tipos diferentes de intervenção psicológica”, explica Shansis. Os pesquisadores, na sequência, avaliam e comparam os dados gerados a partir dessas diferentes intervenções. “No pós-alta, por meio de aplicativo no smartphone, o paciente tem um acompanhamento realizado pela equipe da Univates”, detalha. Além disso, a parte populacional do estudo serve para comparar o grupo com tentativa de suicídio e a população em geral.

Próximos passos 

Enquanto a etapa do estudo que realiza o acompanhamento dos casos de tentativa de suicídio acontece na UPA e no HBB desde março, em dezembro começará uma nova fase da pesquisa, a de visitas a domicílio, para geração dos dados do grupo controle. A equipe da Univates realizará um sorteio, a partir de dados oficiais do SUS, de 500 cadastros. Neste momento, a Univates reforça aspectos como a confidencialidade dos dados coletados pelos pesquisadores, bem como assegura o anonimato dos entrevistados e doadores de material biológico que será coletado. Os pesquisadores realizarão abordagens e estarão identificados com as credenciais da Universidade. Em caso de dúvidas, detalhes podem ser obtidos pelo telefone (51) 3714-7000, ramal  5044.

Parcerias 

Os dados coletados nas entrevistas são enviados de diferentes partes do mundo à Suécia, onde a equipe comandada pela professora Danuta Wasserman integra e consolida o material. Os dados serão carregados no LimeSurvey. A parte referente ao material biológico diz respeito apenas ao estudo realizado nacionalmente. Assim como a Univates articula uma rede de parcerias nacionais para desenvolver localmente o estudo, outras organizações, em cada um dos países, atua de forma similar. Em rede, estão juntas dezenas de organizações de ensino e pesquisa trabalhando neste esforço internacional para melhor entender o comportamento suicida. 

Na Univates estão diretamente envolvidos seis alunos – três de mestrado, vinculados ao PPGCM, e outros três de iniciação científica, vinculados a diferentes cursos de graduação da Univates. Outros dois profissionais psiquiatras também foram contratados para atuar no HBB e na UPA, atendendo aos casos que compõem o quadro de pesquisa. 

Para realizar as atividades, a Univates tem parcerias com outras instituições. Além do Instituto Karolinska, também estão envolvidos o Departamento de Bioquímica e o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs); o Departamento de Fisiologia da Universidade de São Paulo (USP); a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e o Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (PPGBiotec) da Univates. 

Somado ao Banco de Desenvolvimento Europeu, que realiza o fomento internacional para a realização do presente estudo, no Brasil, a pesquisa foi submetida a um edital, tendo sido selecionada para receber fomento do Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS), do Ministério da Saúde, por intermédio de uma parceria com o Departamento de Bioquímica da  Ufrgs, por meio do professor José Cláudio Fonseca Moreira. A Equipe da Univates segue buscando outros fomentos valendo-se de editais internacionais. 

Coordenação Geral Internacional (Suécia):

Danuta Wasserman 

Vladimir Carli 

Nuhamin Gebrewold Petros

Coordenação local 

Brasil 

Flávio Milman Shansis

Texto: Lucas George Wendt 

Imagens: 

Ilustrativa – Bacila Vlad – Unsplash 

Professor Flávio Shansis, coordenador do estudo no Brasil – Artur Dullius

Marca do CEPETTHS – Univates 
Assessoria de Imprensa Setor de Marketing e Comunicação – Univates