Além de recuperar histórias reprimidas, a mais nova produção literária contribui para a disseminação dos saberes populares e registro de costumes e comportamentos de um Brasil rural.
“Você está com sede de ouvir?” Pois é assim, convidando ao exercício da escuta que a escritora maranhense, Lília Diniz, anuncia aos sedentos pela literatura regionalista, a chegança de mais uma obra. O livro de contos, Vozes de Mussambê, vem como uma nascente de falas, rompendo as barreiras do silêncio que assola o uniVerso feminino, e também dos povos de comunidades tradicionais.
A produção do livro tem como proposta ser um processo leve, bem curioso e democrático. Por meio de uma programação aflorada de momentos regados a poesia, rodas de conversas, sarau, vivência com os moradores, em especial com as quebradeiras de coco, a primeira etapa do projeto de desenvolvimento da obra será realizada entre os dias 26 de janeiro a 03 de fevereiro, no povoado Água Viva em Davinópolis- MA. As ações de imersão criativa vão oferecer elementos para a produção dos contos. Em “Vozes de Mussambê” a autora assume um papel de alquimista das palavras, que mergulha nas profundezas e transmuta tudo aquilo que não é mais desejável em algo precioso.
Mas, como assim?
Ao se lançar ao mundo dos contos, Lília Diniz com o seu talento poderosíssimo, traz para a sua escrita, elementos da literatura que tem suas raízes na oralidade. A multiartista pretende reunir as mais diversas vozes com suas histórias, além de memórias próprias, um verdadeiro rio de contos e causos com várias identidades a desaguar no rio a-mar de uma aldeia universal, evidenciando histórias de mulheres que viveram (ou vivem) mergulhadas no universo de vítimas da cultura da violência doméstica.
Patrocinada pelo Fundo de Apoio à Cultura – FAC da Secretaria de Cultura do Distrito Federal – DF, a publicação pretende ser um registro de um folclore linguístico típico do nordeste brasileiro. As histórias a serem escritas têm um ponto de partida em comum: o pequeno povoado fictício, de Mussambê. Com roteiro e temática já pré-concebidos, para a escritora, o livro é “uma oportunidade de fortalecer e valorizar as identidades diversificadas, abordar temas como violência doméstica, abuso sexual, discriminação e preconceitos étnicos raciais, conflitos amorosos e outros”, declara Lília Diniz.
A escritora, nesse processo, navega pela criação coletiva, as vivências serão realizadas, em especial, por uma equipe composta por pessoas aguerridas de experiência e engajadas com as temáticas abordadas no livro. Feito por muitas mãos, o livro de contos inspirado em histórias reais, ainda em gestação, está prestes a ganhar corpo e se materializar para chegar aos lugares habitados e os não habitados do imaginário, e é claro, quebrar o silêncio e eclodir as vozes, muitas vezes silenciadas, que as personagens, já com traços de personalidades delineadas pela autora, trazem no coração e na alma.
A oficina de memória, por exemplo, será conduzida pela educadora e arte-terapeuta Flávia Lucci, com aplicação de exercícios corporais, leituras sensíveis e dinâmicas. A intenção é facilitar a expressividade e manifestação dos participantes. Serão mais de 20 mulheres do povoado que irão compor esse momento, organizado em parceria com a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Resex Mata Grande – ATRAMAG.
O livro também vai ganhar as ilustrações da artista plástica, Juliana Del Lama, fundadora do coletivo Luva Preta, coletivo feminista de mulheres artistas. Além das mulheres do povoado, a trajetória da construção do livro está sendo tecida por outras mulheres que se identificam com o trabalho da escritora, como é o caso da participação da militante das causas da mulher no campo e educadora, Gilvânia Ferreira, em uma roda de conversa prevista na programação.
O projeto ganha também a contribuição dos órgãos públicos e entidades que têm trabalhos voltados a defesa e valorização do respeito à diversidade racial, cultural e de gênero. A Defensoria Pública com a participação dos defensores públicos, Fábio Souza de Carvalho –Vara da Infância e Juventude e André Luís Jacomin –Vara da Mulher, como também, a Juíza, Dr. Ana Paula Silva Araújo, Titular na Vara Especial da Mulher, vão propiciar as mulheres, crianças e homens da comunidade Água Viva, acesso a informações sobre o funcionamento e serviços prestados por esses órgãos.
Vamos para Mussambê?
Além disso, a obra propõe um passeio telúrico pelo pacato povoado, suas vielas, cercas, babaçuais, açudes, e currais, lugar amado e odiado na mesma intensidade pelos que habitam nesse “não lugar”. A proposta da narrativa em primeira pessoa, pretende trazer à tona, a essência do desabafo, como se fossem cartas que expressam as histórias vividas que serão emaranhadas como se fossem uma constante expectoração ou expurgo dos sentimentos engasgados, amores e desamores, e ainda uma fonte abundante de partilha das vivências e ensinamentos dos saberes empíricos da medicina da floresta e a educação popular.
Mas, o que é Mussambê?
Para quem não sabe, Mussambê é também uma planta e tem uso medicinal. O chá das folhas e flores perfumadas é usado como tônico digestivo. O sumo das folhas é usado em otite supurada e lavagem de feridas. O chá da raiz, bem como o lambedor (xarope), serve para tosse, asma e bronquite, utilizado para expectoração de secreção pulmonar. Dessa maneira, o título do livro dialoga intrinsicamente com a proposta do roteiro que busca evidenciar as vozes silenciadas de mulheres e homens nalgum espaço do serTão nordestino, neste caso, o povoado de Água Viva.
PROGRAMAÇÃO “Vozes de Mussambê”
JANEIRO
26/01 – chegança da equipe em imperatriz;
27/01 – chegança da equipe em água viva e sarau da chegança;
28/01 – vivência com as quebradeiras de coco no babaçual;
29/01 – vivência com as quebradeiras de coco (Dona Querubina, Dona Graça, Dona Francisca);
30/01 – roda de conversa (Gilvânia Ferreira) + palestra sobre violência contra as meninas e mulheres (Defensoria Pública e Vara Especial da Mulher);
31/01 – 1° etapa da oficina de memória (escuta sensível);
FEVEREIRO
01/02 – 2° etapa da oficina de memória (escuta sensível);
02/02 – sarau do agradecimento;
03/02 – reunião interna (encaminhamentos);
04/02 – retorno à brasília.
O projeto em andamento prevê apenas a criação do Projeto Gráfico do livro. O arquivo a ser entregue até julho como produto final ao FAC, poderá ser disponibilizado em livrarias virtuais para se articular formas de financiamento para a publicação impressa.
Sobre Lília Diniz
Há 22 anos a escritora espalha pelo Brasil, a cultura dos povos do interior do Maranhão, em especial das quebradeiras de coco. A contribuição da artista é comprovada pelo vasto currículo e atuação por alguns estados brasileiros.
Lília Diniz foi alfabetizada artisticamente pela literatura de cordel. É formada em Artes Cênicas, pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduada em Gestão Cultural, membro da Academia Imperatrizense de Letras (MA) e da Academia de Letras do Brasil/Brasília. Autora de seis livros publicados: “Babaçu, Cedro e Outras Poéticas em Tramas”, “Miolo de Pote da Cacimba de Beber”, “Sertanejares”, “Ao que Vai Chegar”, “Mula sem Cabeça” e “Mundo de Mundim”.
Em 2018 foi premiada em Brasília, pela Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal, Lília Diniz foi uma das personalidades premiadas na categoria “Equidade de Gêneros na Cultura”.