Mães que empreendem se dividem entre negócios e família

Conciliando atividades domésticas e a gestão de negócios, mães que empreendem atuam a maioria no setor de serviços e dedicam 24% a mais de tempo na jornada diária para cuidar da família.

Estudo da Rede Mulher Empreendedora, intitulado “Empreendedorismo no Brasil 2019: um recorte de gênero nos negócios”, revela que, no Brasil, pelo menos 53% das mulheres que empreendem são mães. Para 38% delas, o negócio (formal ou informal), é a principal fonte de renda da família.

Os dados ilustram uma realidade presente em muitos lares: tendo que conciliar os cuidados com filhos e famílias, elas têm menos tempo para o negócio e para si mesmas. De uma jornada normal de oito horas de trabalho diário, as empreendedoras que são mães precisam agregar pelo menos 24% de tempo a mais para atividades ligadas à família em detrimento do negócio. E essa situação se tornou mais marcante ainda durante a pandemia.

Gestoras de negócios como Janaine Letícia Leal (de São Luís), para quem superação é palavra de ordem no dia a dia, sentiram na pele esse desafio. Ao lidar, durante a pandemia, com as atividades de educação dos filhos e o trabalho no segmento de material de construção onde atua há 20 anos, ela buscou apoio na família para seguir adiante.

“No início da pandemia foi muito difícil. Às vezes, eu chorava e até fiquei um pouco abalada pelos meus filhos serem pequenos. Porém, aos poucos, consegui, com o apoio do meu esposo e de familiares, ter um resultado positivo”, diz, emocionada.

Para vencer as dificuldades, Janaine Letícia apostou no planejamento da rotina diária.

“No final do dia, verifico os resultados e oportunidades a serem trabalhadas, compreendendo que preciso viver um dia de cada vez”, explica.

E acrescenta que o aprendizado obtido no Sebrae com o projeto Delas Sebrae Mulher de Negócios foi decisivo para que ela e os familiares pudessem conduzir a gestão do negócio. “As dificuldades aparecem, porém, vamos seguindo. Para o Dia das Mães, mudamos as estratégias de marketing, melhoramos a organização da loja e apostamos em um atendimento mais humanizado e nas promoções para os nossos clientes”, conta.

Maioria das mães empreendedoras são MEI’s,

trabalham em casa e inovam mais que os homens

Do contingente total de mães empreendedoras, prospectadas pelo estudo da Rede Mulher Empreendedora, 58% trabalham em casa, comandando negócios formais ou informais – a maioria na área de serviços (54%). Destes, quando formais, grande parte é MEI’s, sendo 61% dos negócios com idade de até três anos. Além disso, 50% desses empreendimentos faturam até R$ 2500 reais e, em 60% deles, a dona é a única funcionária. Nos 11% que contam com até um funcionário, as mulheres, quando contratam, preferem o gênero feminino.

O estudo mostra também que 49% desses negócios são abertos sem planejamento. Quanto à gestão financeira, apenas 28% das empresárias se sentem seguras com seus empreendimentos; um terço delas tem conta do tipo Pessoa Jurídica e 41% misturam o dinheiro do negócio com outros rendimentos familiares. Quando existentes, 55% administram o negócio com a ajuda de uma planilha e 29% recorrem ao caderno como instrumento de controle da gestão.

Para a ampla maioria, que empreende por necessidade, 40% iniciaram sem capital de giro e 63% nunca consideraram a tomada de crédito ou qualquer modalidade de empréstimo e quando buscam recorrem aos familiares e amigos;  67% delas, quando acessam o crédito, utilizam para despesas não planejadas ou como capital de giro.

Para essas empreendedoras (78% delas), gerenciar o negócio e conciliar com a família é o grande desafio. É o que acontece com a contadora Patrícia Cristina Sales, da Consultare Treinamento, que se divide entre a gerência do negócio e o acompanhamento ao filho, de 13 anos.

“Conversar e acompanhar de perto as atividades diárias do meu filho Eduardo, de 13 anos, tem sido fundamental para a família. Eu tenho que conciliar as tarefas de casa com as aulas remotas e, para isso, foi necessário nos adaptarmos. Diálogo e compreensão das limitações individuais foram fundamentais para fazê-lo entender que o afastamento dos amigos, do ambiente escolar, era necessário para o bem de todos”, disse ela.

Embora mais prejudicadas pela pandemia, para superar os desafios e manter o negócio em funcionamento, as mulheres mostram-se mais inovadoras. Dados de levantamento feito pelo Sebrae e Fundação Getúlio Vargas – FGV (9ª Pesquisa de Impacto do Coronavírus nos Pequenos Negócios) revelam que as mulheres, incluindo as que são mães, demonstraram maior agilidade, confiança e competência ao implementar inovações em seus negócios.

A maioria delas, (71%), faz uso das redes sociais, aplicativos ou internet para vender seus produtos. Também se destacaram no uso do delivery e nas mudanças desenvolvidas em produtos e serviços para se adaptar à necessidade dos clientes.

“A tecnologia tem sido fundamental para que a gente consiga equilibrar esses dois aspectos: a atenção à família e o negócio, que muitas vezes é fonte de sustento familiar”, frisa Patrícia Sales, que atua na área de consultorias e cursos de capacitação e atualização de rotinas administrativas e contábeis.

Motivação para empreender

Os dados da Rede Mulher Empreendedora revelam também aspectos da motivação das mães para empreender. As mulheres ouvidas citam a flexibilidade de horários e a possibilidade de contribuir para o sustento familiar como decisivos nesse processo.

Por outro lado, elas relatam (68%) que entre os maiores desafios está vencer a culpa pelo pouco tempo ao lado dos filhos e da família e encontrar tempo para se capacitar para gerir o negócio. Na outra ponta, ficam as mães que largam tudo e escolhem se dedicar integralmente ao negócio (quase 8%).

É aí que a gestão do tempo pode contribuir muito, conforme explica Patrícia Sales. Segundo ela, o mais urgente é conseguir manter a produtividade, exercitando habilidades como disciplina e limites tanto para os filhos e família como na gestão do negócio. “Precisei rever e adaptar toda a rotina da família e a organização do negócio. Tenho buscado equilibrar as responsabilidades de manter a rotina, o lado espiritual e emocional, ajudando o Eduardo a se desafiar e enfatizando que estamos em um processo de reconstrução e fortalecimento de nossa união, nossa relação, para, então, conseguirmos sair dessa situação complicada”, ressalta.

Apoio às empreendedoras

Outra importante questão apontada no estudo da Rede Mulher Empreendedora se refere à dedicação ao negócio: mulheres despendem em média 10% menos tempo em seus negócios quando comparadas aos homens, resultado de uma dedicação 24% maior às atividades relacionadas com a casa e a família. A pesquisa também mostra que, quanto menor a renda da mulher, maior é essa dedicação e menor o tempo que ela tem para negócio.

Para a diretora de Administração e Finanças do Sebrae no Maranhão, Rachel Jordão, intervenções nessa realidade passam pela compreensão desses indicadores e identificação das principais necessidades dessas mulheres.

“A análise destes indicadores nos motiva a continuar lutando para apoiar as mulheres que empreendem neste cenário, buscam inovar e surpreender o mercado. É um desafio para todos nós encontrarmos respostas para questões que impactam na taxa de sucesso desses negócios e para minorar os impactos socioeconômicos da pandemia sobre os negócios comandados por mulheres . E o Sebrae, por meio de sua atuação em territórios deve focar toda a sua expertise para que as soluções cheguem a um número cada vez maior de mulheres, ajudando-as a superar essas e outras dificuldades. Esse é um desafio que nos mobiliza no Maranhão”, ratifica a diretora.