Saiba quais são os riscos judiciais que envolvem a medida, bastante utilizada por casais que optam pela dupla maternidade
Embora se tenha começado a reconhecer no Brasil os casos de dupla maternidade, inclusive a concepção com base na inseminação caseira, é preciso avançar muito mais para assegurar, juridicamente, os direitos legais aos casais que optam por ter uma criança a partir dessa medida.
“A justiça vem se adaptando aos novos modos de vida e à nova configuração de sociedade, o que significa fazer valer os pressupostos constitucionalmente garantidos a todas as pessoas. Infelizmente, ainda estamos à mercê do entendimento particular de juízes e do Ministério Público, correndo o risco de depararmos com profissionais conservadores e fundamentalistas que, mesmo sendo exceções, demonstram pouca intimidade e compreensão sobre o assunto”, afirma a advogada Juliana Rocha, que é lésbica e especializada em direito LGBQIA+.
Segundo ela, é fundamental que a inseminação caseira passe a ser considerada como uma realidade no país. Desse modo, o único vínculo do doador de sêmen ficará restrito ao aspecto genético, sem o contexto da parentalidade – relação que envolve as pessoas que cuidam de uma criança ou assumem esse papel legalmente. Isso significa adotar os mesmos critérios que já valem para os casos de inseminação artificial feitos em clínicas, como a obrigatoriedade de que a doação de material genético seja anônima, o que inviabiliza o pedido de paternidade.
DIREITO PREVISTO PELO SUS – “Essa situação, obviamente, afeta a comunidade LGBTQIA+. Trata-se de algo muito recente no Brasil, não existindo ainda a recorrência ou o pronunciamento dos tribunais sobre o tema. A falta de um posicionamento assertivo por parte da justiça, de uma regulamentação para a inseminação caseira, torna o assunto muito sensível e a decisão a seu respeito totalmente imprevisível. O ideal é que ela siga a mesma lógica que já prevalece para a inseminação artificial em clínicas, de modo que a lei seja válida para as duas situações”, pondera Juliana Rocha.
A advogada chama a atenção ao fato de que o Sistema Único de Saúde (SUS) prevê a assistência a quem quiser gerar uma criança por meio da inseminação caseira. Porém, o atendimento, realizado em poucos locais, é voltado majoritariamente a casais heterossexuais. “Infelizmente, a percepção ainda é excludente para nós, da comunidade LGBTQIA+”, aponta.
RISCOS JURÍDICOS – Atualmente, a justiça considera o vínculo biológico como suficiente para a determinação da paternidade de uma criança. Em relação à inseminação caseira, a simples doação de sêmen pode relacionar diretamente todas as partes envolvidas no episódio. “Com o reconhecimento de paternidade, decorre uma série de questões como o direito de herança, guarda, visitação e pensão alimentícia e por morte. Com isso, está aberto um largo precedente para interpelações judiciais”, explica Juliana Rocha.
Por isso, de acordo com ela, é aconselhável se fazer um contrato particular de doação de material genético em que conste a intenção desse ato e a forma como isso será realizado. Porém, isso não garante que o documento seja uma prova irrefutável: “No Brasil, a paternidade é um direito indisponível, ou seja, não se pode abrir mão dela. Por outro lado, o contrato pode significar a única forma de se dispor de indícios capazes de comprovar a existência de mera identificação biológica entre as partes envolvidas, sem que isso tenha efeitos registrais ou de efetiva paternidade.”
MUITO ALÉM DO DNA – A especialista em direito LGBTQIA+ lembra que a parentalidade, que é tratada no direito da família, abrange registro na certidão de nascimento e uma série de obrigações, o que é completamente diferente de questões genéticas, algo relacionado ao direito da personalidade.
“Daí que em um caso de paternidade advinda de inseminação caseira deve ser considerado tão somente o direito da personalidade, ou seja, tem de se garantir à criança o direito de saber de onde partiu sua carga genética sem que isso implique em obrigações de registro e tudo o mais que for decorrente”, defende.
A advogada pontua que, atualmente, o fator determinante de reconhecimento de paternidade é o vínculo sanguíneo, o que confere ao exame de DNA a definição de uma sentença procedente ou não, mesmo que não haja qualquer tipo de afetividade entre o pai e a criança. Desse modo, a justiça brasileira até garante o reconhecimento da paternidade socioafetiva, mas não permite deixar de reconhecer a paternidade se houver vínculo sanguíneo.
Para Juliana Rocha, com a nova realidade da inseminação caseira, é essencial que se altere a visão rígida do reconhecimento da paternidade pelo exame de DNA e se aceitem outros elementos, além da genética, para se definir essa situação, como as condições em que a criança foi concebida e a intenção da gestação.
“Afinal, determinar a inserção de um mero doador de esperma na certidão de nascimento de um ser humano não guarda a mínima relação com a dignidade da pessoa humana, tão perseguida pela justiça. Ela está no caminho certo ao aceitar relações interpessoais de afeto como base para a parentalidade, mas ainda falta deixar de considerar o vínculo genético como fator determinante para apurar a filiação”, pondera.
Informações para a imprensa:
Comunicação Ideal Consultoria Estratégica