Cruzamento de dados feitos pelo Ministério Público Federal aponta relação de políticos com problemas em tribunais de contas e condenações em segunda instância na Justiça. Decisão do STF que esvazia a lei gera reações na sociedade civil
Análise feita sobre as 467.074 candidaturas já validadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até essa quinta-feira (18) indica que, ao menos, 4.849 políticos que disputam as eleições municipais deste ano correm o risco de ser barrados pela Lei da Ficha Limpa. Os candidatos ameaçados foram identificados após cruzamento de seus CPFs com os registros das bases de dados de tribunais de Justiça, tribunais de contas e outros órgãos de controle. As informações coletadas são repassadas automaticamente pelo Ministério Público Federal aos promotores eleitorais, aos quais caberá analisar se há elementos ou não para pedir que a candidatura seja barrada. As informações são de levantamento obtido pelo jornal O Estado de S.Paulo.
Pela Lei da Ficha Limpa, não podem disputar a eleição, entre outros motivos, candidatos com rejeição de contas relativas ao cargo ou função pública, condenação em segunda instância por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e peculato. Esta é a primeira vez que todos os promotores que atuam nas eleições têm acesso direto aos dados, segundo o Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe). Em 2012, o TSE recebeu quase 8 mil recursos referentes a impugnação de candidatura. Desse total, aproximadamente 3 mil foram oriundos de ações baseadas na Lei da Ficha Limpa.
De acordo com o levantamento, o estado com maior ocorrência de possíveis fichas-sujas é São Paulo – localidade que também concentra o maior número de candidatos registrados. Segundo o Estadão, o sistema do Ministério Público identificou 1.403 políticos em São Paulo que possuem ocorrências que podem inviabilizar a eleição. Minas Gerais (620 casos) e Paraná (461) vêm logo atrás.
A Lei da Ficha Limpa está sob forte ataque no Supremo Tribunal Federal (STF). Como mostrou o Congresso em Foco, decisão tomada pela cortepode beneficiar políticos que tiveram suas contas rejeitadas por tribunais de contas. Para a maioria dos ministros, cabe às câmaras municipais – e não aos tribunais de contas locais – dar a palavra final sobre o balanço contábil de políticos. Na prática, isso deve aliviar a situação de 80% dos candidatos ameaçados pela Lei da Ficha Limpa. A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil estima que 6 mil candidaturas a prefeitos serão imunizadas depois do novo entendimento, que exige julgamentos locais.
Segundo a decisão do STF, o enquadramento de candidatos com base na Lei da Ficha Limpa, que prevê inelegibilidade de oito anos, exige que eles tenham sido condenados também pelos órgãos legislativos locais, na maioria dos casos formados por parlamentares aliados à gestão municipal.
O ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que a lei é “mal feita” e parece ter sido feita por “bêbadas”. A declaração gerou fortes reações de entidades. Um dos idealizadores da lei, o advogado e ex-juiz Márlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), classificou como “desrespeitosa” a fala de Gilmar, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Foi uma frase desrespeitosa à OAB, à CNBB e a muitas organizações que elaboraram o projeto. Também desrespeita o Congresso Nacional, já que o projeto, depois de apresentado, passou por toda a tramitação legislativa. Desrespeita o próprio Supremo Tribunal Federal que ele integra, que declarou essa lei constitucional”, enfatizou o ex-juiz.