Como ciência e tecnologia podem ajudar a transformar o sistema sanitário no Brasil.

O Brasil é a nona maior economia do mundo, mas ocupa apenas a 123ª posição em desenvolvimento em saneamento.

Saneamento básico é o setor esquecido na infraestrutura brasileira. Aproximadamente 15% das crianças no país abaixo dos quatro anos de idade vivem em áreas com esgoto a céu aberto.

No Norte, menos de 10% da população conta com coleta de esgoto. Em Belém (PA), 44,5% das casas não são conectadas à rede de esgoto. A estimativa no Rio de Janeiro é que 30% da população não esteja conectada a uma rede de esgoto formal – somente 50% do esgoto coletado é tratado antes de entrar em redes abertas de água e chegar ao oceano.

Esses são os números oficiais; a realidade pode ser ainda pior.

Políticos brasileiros associaram o surto recente do vírus Zika com o estado do saneamento básico no Brasil. Mas saneamento não é apenas questão de saúde pública – afeta todos os aspectos da vida humana.

Por exemplo: estima-se que o país tenha perdido mais de US$ 500 mil (R$ 1,6 milhão) em 2012 em níveis de produtividade porque trabalhadores sofriam de infecções estomacais.

No Brasil, o abismo nas condições sanitárias entre áreas urbanas “formais” ou “informais” é enorme. O Estado ainda não atendeu a necessidades únicas de moradores de favelas.

Nas favelas, os sistemas sanitários precisam se alinhar a uma topografia difícil, e a uma variedade de outros entraves espaciais. Eles comumente são melhor implementados como uma rede de pequenos sistemas, em vez de um único e grande sistema sanitário.

No passado, o Brasil se valeu do esgoto condominial – um sistema de baixo custo para o Estado, porque utiliza o trabalho dos residentes para implementar e manter a infraestrutura. Aclamado, esse sistema exige um engajamento social intenso da comunidade de usuários; ou, do contrário, pode facilmente resultar na perda de investimento.

O esforço do governo

O Plano Nacional de Saneamento almejou levar água potável para toda a população e sistema de esgoto para 93% dos moradores de áreas rurais até 2023. Recentemente, o governo reconheceu que essa meta não será atingida.

Entre outros desafios, o setor de água e saneamento no país tem sido afetado por questões de accountability (prestação de contas) e transparência. Ainda que algum tipo de recurso financeiro esteja disponível, o dinheiro nem sempre é investido efetivamente.

Desde meados da década de 1990, o Sistema Nacional de Informação Sobre e Saneamento (SNIS) tentou avaliar performances de uso e, assim, guiar a alocação de recursos.

O SNIS é o principal instrumento de gerenciamento do setor de água e saneamento no país. Emprega dados operacionais, gerenciais, financeiros e de qualidade dos serviços providos pelos próprios fornecedores do serviço, que apresentam as informações em troca de crédito e empréstimos do governo federal. Esses indicadores usados pelo SNIS são reconhecidos pelos provedores de serviço, mas os dados não são conclusivos.

“Big Data” e dados do usuário

Informação, ciência e tecnologia, associados a uma metodologia de Big Data – análise e interpretação de grandes volumes de dados – podem contribuir para a melhoria dos serviços sanitários e de oferta de infraestrutura no Brasil. Mas como isso pode ser feito?

O sistema atual de monitoramento de serviços de medição de performance do saneamento leva em consideração somente dados divulgados de forma voluntária pelos fornecedores do serviço. Há duas potenciais fragilidades nessa dependência de uma fonte única de dados.

1) Uma única fonte é tendenciosa na seleção de perspectiva para a coleta de dados; e 2) corre o risco de oferecer conflito de interesse para os que ofertam o serviço quando confrontados com problemas na provisão desses serviços.

O desenvolvimento inteligente de informação, ciência e tecnologia de baixo custo (como plataformas web e aplicativos de smartphone), combinados com processos de informação pública, podem gerar um sistema de monitoramento barato e sustentável envolvendo usuários dos serviços.

O governo municipal poderia, a baixo custo, gerar pesquisa baseada nessas plataformas e aplicativos e, assim, monitorar o serviço sob a perspectiva dos usuários, adquirindo conhecimento na cobertura, aceitação, sustentabilidade dos serviços providos, além de conhecimentos nas formas de uso do serviço.

O SNIS deve ser suplementado por um sistema de monitoramento que parta verdadeiramente do usuário, o que permitiria aos beneficiários da infraestrutura de saneamento dar uma resposta direta a governos locais sobre o estado da disponibilidade e distribuição dos serviços, ou sua ausência.

Esse sistema, combinado com uma estratégia de aceitação (incluindo fóruns regulares para evitar exclusão digital), poderiam melhorar a prestação de contas e ser um primeiro passo para transparência, caso provedores de serviços e usuários possam acessar informações um do outro.

Sob o ponto de vista de governança digital, interação e feedback constantes entre municípios, prestadores de serviço e usuários são essenciais para permitir formas de coprodução e planejamentos de infraestrutura que sejam efetivos.

Cidadãos estão plenamente conscientes de seu direito humanitário de acesso a serviços de saneamento, e a importância de tal direito será em breve reforçada na 3ª Conferência da ONU sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, que ocorre neste mês no Equador.

Ainda assim, nesse ritmo, o Brasil pode levar 50 anos para atingir níveis de acesso universal ao saneamento. O país precisa pressionar para que a provisão desse serviço seja parte integral da urbanização. Como a revista Forbes afirmou: “Até que o saneamento melhore, o Brasil nunca irá alcançar seu pleno potencial como parte de uma das lideranças globais.”