Álcool e drogas psicoativas matam quase três milhões de pessoas no mundo todo

Professor de Psicologia da Estácio fala sobre os desafios no enfrentamento do problema de saúde pública e a importância do tratamento humanizado

O consumo de álcool é responsável por 2,6 milhões de mortes anuais no mundo todo, enquanto as drogas psicoativas respondem por 600 mil mortes por ano, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O enfrentamento desse grave problema de saúde pública requer esforços conjuntos entre governos, instituições, legisladores, profissionais de saúde, educadores, famílias e toda a sociedade por meio de ações de prevenção e tratamento. O primeiro passo é entender o que caracteriza a dependência de álcool e drogas, como explica Adelson Bruno dos Reis Santos, professor de Psicologia da Estácio, especialista em saúde mental.

“É preciso diferenciar o consumo abusivo do uso esporádico ou recreativo e considerar o contexto das relações afetivas, sociais, profissionais e emocionais do sujeito. É necessário analisar a relação do indivíduo com a substância e em que grau o consumo, seja ele abusivo ou não, impacta sua saúde física e mental. Uma necessidade incontrolável de consumo em quantidades cada vez maiores em um curto espaço de tempo, crises ou mudanças significativas no controle das emoções e do comportamento, isolamento social, perda do prazer por atividades que antes eram prazerosas e falta de autocuidado e cuidado com os outros são indícios de uma possível dependência”, afirma.

Inúmeros componentes externos, biológicos e psicológicos estão relacionados à dependência química, mas não existe um padrão de elementos que levem ao uso excessivo, como elucida o psicólogo. “Somos diversos e singulares. O que é questão para um sujeito não é para outro. Cada um terá ou não recursos para lidar com suas carências, suas faltas, suas ausências e suas dores.  Pessoas expostas aos mesmos ambientes, realidades e situações irão reagir de formas distintas, de acordo com os recursos subjetivos e objetivos que possuem para lidar com as compulsões. As transições geracionais, a cobrança, a comparação, a sensação de frustração, o sentimento de não ser bem-sucedido, os bloqueios afetivos e comportamentais afetam cada pessoa de uma maneira, e tudo isso poderá ou não levar ao uso abusivo e prejudicial de drogas”, observa.

Os principais impactos na saúde são manifestados pelas crises de abstinência marcadas pela oscilação do humor, alterações do sono e da alimentação e baixa autoestima, provocando ainda a falta de cuidado com a higiene e a aparência. “Quanto à saúde mental, as substâncias psicoativas causam estados psicóticos e transtornos que alteram a sensopercepção, influenciando processos cognitivos básicos como a memória, o pensamento e a atenção. Podem ainda potencializar estados de ansiedade e depressão levando ao tensionamento dos vínculos afetivos e sociais”, descreve.

O especialista destaca que não basta força de vontade para abandonar o vício em drogas – considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) –, pois o processo de dependência envolve uma interação complexa. “Para o adicto, a droga vem suprir ou tamponar uma falta, uma falha que vem da sua própria constituição como um ser no mundo. Trata-se de uma tentativa desesperada de lidar com o consumo de um objeto que ilusoriamente vem preencher. Em algum momento essa substância trouxe satisfação, mas isso não se sustenta por muito tempo e é o que traz a repetição, a compulsão. Para romper esse ciclo, não basta ter vontade apenas. É necessário um retorno profundo à base da sua constituição subjetiva para compreender qual função a substância veio tentar exercer. A psicoterapia tem essa função de gerir a angústia e o mal-estar trazido por aquilo que nos falta”, expõe.  

“Técnicas humanizadas, como a redução de danos, que respeitem as limitações subjetivas e práticas de acolhimento são fundamentais para que o paciente recupere a capacidade de se vincular afetiva, emocional e socialmente a pessoas e experiências que contribuam em seu processo de construção de uma nova relação com o mundo, ancorado em suportes saudáveis e reconhecendo suas limitações, no qual o acesso a droga sempre existirá. Desde 2001, o Brasil, por meio da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216), vem tentando consolidar uma rede de cuidados e atenção à saúde de dependentes de drogas com os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), espaços de acolhimento e tratamento terapêutico para pessoas com transtornos mentais e dependência de substâncias, com acompanhamento psiquiátrico e atividades de reintegração social, trabalhando a autonomia do sujeito”, complementa o professor.  

Além da psicoterapia, o tratamento envolve intervenção medicamentosa, com protocolos adequados, em dispositivos de saúde equipados e profissionais preparados. “Crises de abstinência são quadros graves que podem levar a óbito. O uso correto da medicação na dosagem e pelo tempo prescrito, associado ao processo de psicoterapia, é fundamental para a estabilização da crise e para que o paciente retome sua autonomia, sua autoestima e possa voltar a reconhecer e investir o seu desejo em comportamentos e relações saudáveis”, elucida Adelson Bruno dos Reis Santos.

De acordo com o psicólogo, a família ou a rede de apoio é fundamental para o êxito do tratamento e do cuidado humanizado do adicto. “Ela é impactada por um processo de esgotamento e sofrimento mental na tentativa de proporcionar a atenção e o acolhimento necessário no processo terapêutico. Por outro lado, para muitas gerações ainda é difícil, ou mesmo impossível, dialogar sobre o tema, e isso pode provocar um sistema de repressão que desestrutura o núcleo familiar. Não é fácil para os pais lidar com a realidade de que algo falhou, e um sentimento de culpa pode tomar conta desse núcleo como se fosse possível apontar um culpado. Isso é muito degradante para a família, que também precisa de suporte psicoterapêutico e até medicamentoso. Recomenda-se que as famílias frequentem grupos terapêuticos para compartilhar e ouvir outras famílias que enfrentam a mesma realidade”, encerra.