O Brasil registrou 45.460 casos de estupro em 2015, ou cinco ocorrências por hora. Apesar de representar uma retração em relação a 2014, quando foram registradas 4.978 ocorrências a mais, o patamar é considerado preocupante pelos especialistas e pode ser muito maior.
De acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que usou metodologia aplicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os dados permitem estimar que os casos sejam até dez vezes mais frequentes, chegando a 454.000 agressões.
“O crime de estupro é aquele com a maior taxa de subnotificação, então é difícil avaliar se houve uma redução da incidência”, disse a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. “Pesquisas de vitimização indicam que os principais motivos para não reportar o crime às polícias são o medo de sofrer represálias e a crença que a polícia não poderia fazer nada.”
‘Bandido bom é bandido morto’
Ainda segundo a mesma pesquisa, seis em cada dez brasileiros disseram concordar com o teor da frase “bandido bom é bandido morto”. A pesquisa analisou a percepção popular sobre a violência e entrevistou 3.625 pessoas em 217 cidades do País entre 1.º e 5 de agosto.
A crença na sentença é maior entre os mais velhos. Entre entrevistados de 60 anos ou mais, a concordância foi de 61%, enquanto entre mais jovens, de 16 a 24 anos, a frase é verdadeira para 54%.
Entre regiões do País, o comportamento se manteve relativamente homogêneo, com pequenas variações.É no Norte e no Sul que o porcentual é maior: 61%; no Sudeste, ele é de 53%; no Centro-oeste, de 59%; e no Nordeste, de 60%. Diante da frase, 34% no País discordaram e 6% não discordaram nem concordaram.
Para o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, a aceitação da violência contra “bandidos” representa um “pedido de socorro”. “Os números mostram que a população reconhece que as condições de trabalho da polícia não são boas, há dificuldades, mas aí também há uma informação muito relevante: parcela significativa adere à máxima de bandido bom é bandido morto, quase como um pedido de socorro em relação à violência do País, mas uma parcela ainda maior diz que a polícia se excede no uso da violência”, disse.
Redução de gastos
Os gastos diretos do governo federal com segurança pública apresentaram redução de 9,6% entre 2014 e 2015, segundo a pesquisa. O Ministério da Justiça destinou 11,3 bilhões de reais para a área no ano passado, dos quais apenas 5% correspondem a ações dos Fundos Penitenciário e de Segurança. A queda aconteceu em meio à disposição da União em participar mais proativamente do combate à criminalidade, com a criação de um plano nacional para a área.
Na semana passada, o presidente Michel Temer anunciou a liberação de 778 milhões de reais dos fundos para compra de equipamentos policiais, capacitação da Força Nacional e também para construção de presídios. Caso isso ocorra, a liberação vai representar o segundo maior valor destinado pela União para ações na área desde 2002, só sendo superado pela monta de 2007, que atingiu 1,3 bilhão de reais. A análise do Fórum mostrou, porém, que é cada vez menor a quantidade de verbas executadas pelos fundos.
Entre 2006 e 2016, por exemplo, o Fundo Penitenciário encolheu 49,2% e, desde 2002, a retração no Fundo de Segurança foi de 47,9%. Para especialistas, além de o aporte federal a Estados e municípios para combater a violência ter sido reduzido, ele foi aplicado sem uma continuidade de programas.
“Percebemos uma certa descontinuidade programática relacionada a iniciativas que vão se alternando ao longo do tempo. Passamos pela proposta de criação do sistema único, depois pelo Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Você vai notando essas trocas que não guardam continuidade”, disse a professora do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Ursula Dias Peres, que participou da elaboração do levantamento.
Ao todo, o Brasil gastou 76,2 bilhões de reais com segurança em 2015, incremento de 11,6% em relação ao ano anterior. O crescimento foi puxado pelos Estados, que detêm a maior parte dos investimentos no setor. Só São Paulo, por exemplo, gastou 11,2 bilhões de reais, aumento de 8,4% em comparação com 2014.