*Por: Hyago de Souza Otto
O assunto corrupção não é exclusividade de terras tupiniquins, tampouco é algo inerente ao século XXI. Em maiores ou menores proporções, trata-se de um mal que existe em todo o mundo.
Na FIFA, nas eleições dos EUA, na China; pouco importa o grau de desenvolvimento do país, a corrupção é um mal inerente ao convívio em sociedade.
É comum que para problemas sejam buscadas soluções e, antes disso, as causas. Mas, então, o que causa a corrupção?
A resposta não é simples. Combater a corrupção assemelha-se a enxugar gelo.
Para Jean Jacques Rosseau, “o ser humano nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. Segundo a afirmativa, o ser humano seria um bondoso ser que, por influências externas, tornar-se-ia mau.
A afirmativa é extremamente frágil. Como pode um ser bom criar uma coletividade ruim? Ou pior: a solidão cria pessoas de boa índole?
Ora, se princípios morais são criações de sociedades e do meio em que as pessoas vivem, não faz sentido afirmar que é a sociedade que subverte os valores morais do homem. Pelo contrário.
Segundo Hobbes, o ser humano é o lobo do homem; ele é mau por natureza, e é justamente a sociedade, a vida em coletividade que contém seus instintos e cria nele princípios e valores morais que criam condutas boas ou, ao menos, aceitáveis, sob pena de não se enquadrar no meio.
É esse o motivo pelo qual a formação de um ser humano não é uma fórmula matemática. Mesmo uma pessoa com boa criação moral e com formação intelectual é capaz de praticar atrocidades. Aliás, há recorrentes casos em que irmãos têm condutas antagônicas nesse sentido.
Some-se a isso a alta competitividade, instintiva da espécie humana. Somos movidos por desafios; sem que haja um limite entre o certo e o errado, o lícito e o ilícito, muitos colocam seus objetivos acima de tudo.
Mas, deixando de lado a índole humana em geral, há uma questão coletiva que deve também ser considerada quanto ao aspecto ‘grau de corrupção’: a quantidade de regulamentação.
Quanto mais regras legais existem em uma sociedade e quanto mais distanciadas elas forem dos padrões morais, maior será a corrupção.
A primeira premissa parte da seguinte conclusão óbvia: em uma sociedade onde nada é proibido, não haverá práticas ilícitas (ao menos no aspecto positivo). É claro que, nesse caso, haverá uma enorme anarquia. As leis não protegerão os bens jurídicos moralmente reconhecidos pelo homem; assim, o Estado não tem serventia.
Logo, a liberdade excessiva conferida pelo Estado (e a sua quase inexistência) abriria brecha para que o homem retomasse para si o jus puniendi. O resultado é a barbárie.
Esse é um dos extremos.
Mas deixando de lado tais excessos, fica evidente, por exemplo, que se o Estado não cobrasse imposto de importação não haveria contrabando; não havendo contrabando, não haveria auxílio de autoridades a contrabandistas.
Muitas vezes, a criação dessas restrições desencadeia uma série de outros delitos necessários para acobertar a primeira prática delituosa. A lavagem de dinheiro surge para maquiar um dinheiro de origem ilícita.
É claro que, como dito, regras são essenciais para o convívio em sociedade. Mas quando elas são totalmente dissociadas do aspecto moral da sociedade, o indivíduo as pratica com maior facilidade, não existe a barreira principiológica que deveria existir.
O homicídio é um exemplo clássico em que o sentimento do homem médio o impede de praticá-lo. Com exceção de sociopatas, o ser humano em geral não é capaz de matar alguém sem que haja um sentimento mínimo de culpa ou de medo.
Mas há outros delitos que são totalmente dissociados de padrões morais (e não se está aqui tratando de moralismo). O maior exemplo são os crimes de perigo abstrato. Beber um copo de cerveja pode te tornar um criminoso, mas dificilmente aquele que bebe um copo de cerveja e dirige possui um senso de imoralidade em sua conduta, tipificada como crime.
E jogar todas essas restrições no mesmo bolo gera uma banalização da tutela que deveria ter caráter fragmentário, ultima ratio. Quando transgredir determinadas normas torna-se algo quase inevitável (tome-se como exemplo algumas normas de trânsito esdrúxulas, limites de velocidade de 40 KM/h em rodovias, etc.), o ser humano considera cada vez menos relevante os conceitos legalmente previstos.
Por isso, o legislador precisa estar atento, primeiro, para não regulamentar o que não é de sua alçada, com o máximo de cuidado para não exagerar em restrições e não invadir de forma abusiva as liberdades individuais; segundo, para não criar ilícitos criminais totalmente dissociados da moral, tendo em vista a natureza dessas punições e o grau de importância que possuem.
Criar regulamentações excessivas gera demasiados ônus aos indivíduos e à própria Administração Pública, que precisa cumprir suas próprias determinações, fiscalizar descumprimentos e impor sanções, por vezes, desnecessárias.
Conferir poder ao Estado equivale a conferir poder ao governantes, que não deixam de ser pessoas. E a atividade regulamentar restringe a liberdade dos indivíduos.
Somente a retirada total de regulamentação não será capaz de por total fim à corrupção: como dito, a regulamentação é essencial para a existência do Estado, em maior ou menor grau. E é o ser humano o agente causador dos desvios, não o Estado, ser abstrato.
Mas se não há necessidade de centenas de vistorias em determinada obra para o funcionamento de um estabelecimento, não haverá motivos para que o empresário corrompa o servidor (ou para que o servidor exija vantagens do empresário).
O aumento da burocracia encarece os produtos. E se é possível diminuir os custos por meios ilegais, ainda mais que sejam desvestidos de imoralidade, o ser humano estará mais propenso a romper essa barreira. Como diria Milton Friedman, quanto mais você paga por algo, mais disso existirá.
Logo, se a corrupção se torna lucrativa, ela passa a existir em maior número.
Esse círculo vicioso precisa ser evitado ao máximo, pois o rompimento da primeira barreira, a prática do primeiro ilícito, pode gerar atividade corriqueira, reiterada. Limitar o poder do Estado sem exageros é um passo importante para isso.