Realmente houve a descriminalização do desacato?

Entendimento diverso da decisão do STJ e aplicação da norma penal por não estar em confronto com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

*Danilo Mariano de Almeida

Nesta semana, em decisão unânime, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “descriminalizou” a conduta de desacato à autoridade (art. 331 do Código Penal), no sentido desta ser incompatível com o disposto no artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

Mesmo sendo esta uma decisão que somente teve seus efeitos inter partes, ou seja, não possui caráter vinculante, abriu-se precedente na interpretação da normal ao tipificar a conduta descrita no artigo 331 acima citado.

Em contrapartida a essa decisão, o Juizado Especial Criminal da cidade de São Paulo, condenou um homem, acusado de desacatar policiais, ao pagamento de multa de 360 salários mínimos. Em sua decisão, o juiz Ulisses Augusto Pascolatti Junior julgou a ação penal procedente para condená-lo à pena de seis meses de detenção, substituindo a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente no pagamento de prestação pecuniária em favor de instituição pública ou privada de destinação social.

Na decisão o magistrado entendeu que a Convenção Americana não possui status de norma constitucional, pelo fato de não ter sido aprovada nos termos do § 3º, do artigo 5º da Constituição, mas status de norma supra legal e, deste modo, “uma lei incompatível com qualquer tratado de direitos humanos sem status constitucional não teria validade, o que no plano formal corresponderia a uma derrogação”.

Continuando seu embasamento na decisão, o magistrado entendeu que não há conflito entre a liberdade de expressão e o crime de desacato, uma vez que a própria Carta Magna assegurou a possibilidade de responsabilização em caso de exercício danoso da liberdade de expressão (artigo 5º, IV e V). O juiz ainda continua seu embasamento ao dizer que “Com efeito, não há dúvidas de que o bem jurídico tutelado no crime de desacato (prestígio, honradez e confiança na administração pública) afina-se com a vontade do Poder Constituinte. Ao eleger como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem comum (artigo 3º, inciso IV), bem como expressar que a segurança é direito fundamental (artigo 5º, caput) e dever do Estado (artigo 144, CF/88), a Constituição Federal direcionou a atuação estatal. Ora, ao dizer que o Estado deve promover o bem comum e a segurança, o Poder Constituinte outorgou ao Estado poderes de coerção para a concretização daqueles fins, os quais pressupõem o mínimo de respeito aos agentes estatais no cumprimento daquelas missões constitucionais.”.

Em relação ao conflito entre a conduta de desacatar e o artigo 13 da Convenção Americana, o magistrado diz que a conduta não afronta a liberdade de expressão do pensamento, que pode ser exercida livremente, mas o abuso dessa utilização.

Ademais, a própria Convenção assegura a liberdade de expressão, mas admite a responsabilização quando necessária para a proteção da ordem, da segurança e moral pública, revelando, assim, completa sintonia com o delito de desacato.

O magistrado ainda leciona que “a criminalização do desacato representa o mínimo de reserva moral de respeito exigível dos cidadãos quanto à autoridade estatal.”.

Deste modo, por mais que a Colenda Turma do STJ tenha decidido não aplicar a legislação naquele caso, haverá sempre entendimento contrário, de forma que não há que se pronunciar, ainda, em possível descriminalização do artigo 331 do Código Penal.

*Danilo Mariano de Almeida, é advogado