*ODED GRAJEW:Ao longo dos últimos meses, o debate político tomou conta da sociedade brasileira. Houve discussões acaloradas entre amigos, familiares, companheiros de trabalho, vizinhos. Em muitas ocasiões, essas contendas geraram mágoas e até rompimentos de laços afetivos que foram construídos ao longo do tempo. Como foi possível chegarmos a este ponto?
Quem tem um mínimo conhecimento sobre o funcionamento do mundo político sabe que a cultura dominante é a da competição, da luta pelo poder. A lógica que impera na maioria das decisões e estratégias partidárias é a da conquista e permanência no poder.
No processo eleitoral, é principalmente o marketing que orienta os discursos e programas, não os princípios éticos e programáticos. No poder, políticas públicas são efetivadas já pensando no seu impacto nas próximas eleições. A oposição faz de tudo para prejudicar o governo e o governo atua da mesma forma para deslegitimar a oposição.
É verdade que temos honrosas (embora raras) exceções, especialmente em partidos com baixa perspectiva de governar. À medida que crescem, muitas vezes a lógica da luta pelo poder passa por cima da ideologia e dos princípios.
É verdade também que esta não é uma realidade exclusivamente brasileira, mas de todas as democracias. Entretanto, em países nos quais há uma legislação mais amadurecida do sistema político -com democracia participativa, controle de abusos e transgressões e educação pública de qualidade para todos-, essas disputas são confrontadas por limites civilizatórios.
A lógica da maioria da sociedade é outra. As pessoas querem que governos se preocupem em melhorar as condições de vida. Querem ter trabalho e moradia decentes, segurança, educação e saúde de qualidade, acesso ao lazer e à cultura. Querem conviver em paz com suas famílias, seus amigos, companheiros e vizinhos.
Aos partidos políticos interessa cooptar a sociedade para a sua lógica e transformar os cidadãos em instrumentos de sua luta. É assim que governos conseguem mandar seus cidadãos para morrer nas guerras. É assim que justificam a construção de muros e barreiras alimentando o ódio entre pessoas, povos e religiões.
A sociedade brasileira não deveria ser manipulada, cooptada, consciente ou inconsciente, pelos interesses de poder dos partidos políticos. A fragmentação e a divisão não interessam ao país.
As energias e o empenho de todos devem ser canalizados para exigir, daqueles que são eleitos para representar o povo, cumprimento das promessas de campanha, honestidade na gestão dos recursos públicos, reformas para tornar nosso sistema político mais ético, democrático e participativo, além de políticas públicas que se preocupem em reduzir as desigualdades e melhorar as condições de vida da população e das futuras gerações.
Prevalecendo a lógica da sociedade sobre a lógica de poder dos partidos políticos, poderemos ter um Brasil mais justo, democrático e sustentável.
ODED GRAJEW, 72, é coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis e presidente emérito do Instituto Ethos. É idealizador do Fórum Social Mundial. Foi presidente da Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República em 2003 (governo Lula)
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